Na semana passada, o mundo ficou chocado e ainda
mais triste com a cena de Aylan Kurdi, menino sírio de 03 anos, que apareceu morto com o rosto quase enterrado à beira-mar na praia turca de Ali Hoca,
no vilarejo de Bodrum.
O jornalista e âncora da Record News escreveu um texto bem esclarecedor sobre o drama que vivem famílias de
refugiados, cuja intenção é deixar o sofrido lugar de origem para se agarrar a uma chance de vida em destino
desconhecido e numa travessia repleta de riscos.
Uma das grandes conquistas da civilização se passou quando grupos humanos chegaram
à beirada de grandes rios. Vinham de locais contíguos tocados pela fome e a
perseguição aos animais que procuravam água. Eram caçadores e coletores de
frutos. Não podiam viver sem a caça, por isso migravam atrás dela. O encontro
com os rios, a descoberta dos metais moles, mas bons para as ferramentas que
pudessem remexer as margens barrentas, contribuíram para a revolução do
neolítico. Uma de suas características foi a troca do nomadismo pelo
sedentarismo. Este pressupunha segurança, constituição de povoados, organização
mínima da produção, e os primeiros passos para a criação de um poder estatal e
religioso, que quase sempre ser confundiam. O rio ganhou espírito, alma,
representação no panteão dos deuses e as preces pela bonança da colheita. Com
isso a fome se atenuou e o ser humano se estabeleceu em palafitas sobre as
águas. Ficou para trás os tempos de mudar constantemente de lugar para lugar em
busca da sobrevivência. O advento da sociedade hidráulica, entre tantas outras
conquistas consolidou o homem na sua casa, na sua vila, no seu reino, ao lado
do seu templo e no meio de sua família.
Migrações
em massa são sempre provocadas por grande desgraças. Como a perpetuada pelos
colonizadores para tirar proveito do Brasil. O tráfico de escravos trouxe
aproximadamente três milhões e meio de imigrantes da África para o Brasil.
Foram obtidos por raptos, guerras de todo tipo ou pela compra através de troca
de produtos coloniais como rum,
fumo de terceira categoria ou cachaça. Essa migração foi contínua uma vez
que era adequada para o sistema colonial vigente. As populações eram
aprisionadas, enfiadas nos porões dos navios negreiros, suas aldeias eram
destruídas e liquidados os clãs e as famílias. Era uma migração forçada,
na época da acumulação capitalista. Durante trezentos anos essas pessoas
chegaram ao Brasil negociadas como mercadorias, sem direitos de qualquer
espécie, e com a vida curta sob o sol e debaixo do chicote. A estabilidade da
aldeia originária com seus costumes, cultura, modo de vida acabou. Eram
migrantes, podiam ser vendidos e transportados de um lado para o outro para
trabalhar ora na cana de açúcar, ora no ouro ou café.
As
guerras atuais mostram que o poder de arrancar as famílias de suas casas, as
crianças das escolas aumentou na proporção que o armamento e a estupidez
cresceram no Século 21. Segundo a ONU há 60 milhões de refugiados no mundo. Os
motivos das perseguições são a recusa de quem não quer se dobrar diante da
violência, da falta de democracia e liberdade de cultuar os seus deuses e
ancestrais. Fugiram do massacre, do estupro, da bit-escravidão, dos bombardeios
em massa. Recusaram-se a aderir a uma religião e a um modo de vida que não
queriam. Por isso foram mais torturados. Fuzilamentos, massacres,
genocídios e degolas são o motor dessa transumância contemporânea. Fugir, não
importa para onde. Deixar o inferno para trás. Procurar uma réstia de sol e de
esperança nem que seja preciso se lançar no mar, arriscar a vida nas ondas, ou
deixar o corpo de uma criança afogada na praia.
Heródoto Barbeiro é Jornalista, âncora do Jornal da Record News e do R7, ex-apresentador do Roda Vida da TV Cultura e do Jornal da CBN. Ex diretor e gerente de jornalismo do Sistema Globo de Rádio-SP. Foi professor de história da USP. Autor de dezenas de livros. Ganhou
os prêmios Ayrton Senna, Líbero Badaró, UNESCO, Associação dos
Economistas, APCAs, Comunique-se dentre muitos outros. É proprietário da
Reserva Mahayana na Mata Atlântica e apoiador da SAT – Sociedade
Ambiental (Amigos) de Taiaçupeba.
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