“A doença expõe nossa fragilidade, escancara nossos medos e desdenha das nossas vaidades”.
Por BEATRIZ ALESSI
Foto: Thinkstock
O ex-presidente Lula comparou o tratamento contra o câncer a “uma bomba de Hiroshima”. No caso dele, foram cinco meses de quimioterapia e radioterapia para combater um tumor na laringe.
Para alguém como eu, que convive com a doença há mais de uma década, é fácil entender o desabafo do presidente. Sim, o tratamento é difícil e debilita o paciente. Mas hoje, olhando em retrospecto, não diria que se trata “da mais delicada das doenças”, como afirmou Lula à Folha de S.Paulo.
Embora os prognósticos sejam muito mais positivos hoje em dia, o câncer ainda carrega o estigma da dor e do sofrimento. Mas está longe de ser, necessariamente, uma sentença de morte.
Na época do meu tratamento contra um linfoma não-hodgkin, li um livro escrito por uma paciente que dizia: “Às vezes você está no lado bom da estatística ruim; e, às vezes, no lado ruim da estatística boa”. É verdade. Como tudo na vida, o câncer é imprevisível. Mas uma atitude firme e corajosa diante da doença ajuda e muito!
Coragem, nesse caso, não é bem a palavra. Qualquer pessoa que recebe um diagnóstico de câncer tende a reagir com firmeza – menos por coragem do que por instinto de sobrevivência. Ninguém quer morrer. “Se eu souber que a morte está na China, eu vou para a Bolívia” – disse Lula.
A doença nos confronta com a morte. E o resultado é um espírito combativo que nem imaginávamos possuir. Mas o câncer é também mestre em várias outras frentes. Expõe nossa fragilidade física, escancara nossos medos e desdenha das nossas vaidades. No primeiro tratamento, em 1999-2000, fui internada com pneumonia e, no hospital, perdi o cabelo. Até hoje me lembro de me olhar no espelho e pensar: “Então essa sou eu, sem retoques”.
Nessa época, ouvi de uma enfermeira o conselho: “Não pense nos efeitos colaterais. Pense no objetivo de longo prazo.” Pensei e, quando dei por mim, o pior já havia passado.
Outra lição que aprendi é ser humilde em relação à doença. Às vezes é preciso retomar o tratamento e, nessa hora, não cabe desalento. Aconteceu comigo em 2006. Felizmente, os remédios haviam evoluído e os efeitos colaterais foram bem mais suportáveis.
Cada caso é um caso. Mas o fato é que a maioria dos pacientes sai do tratamento com outra visão de mundo. Lula disse que não quer mais ter “uma agenda alucinada”. Eu desacelerei e passei a fazer yoga.
Acima de tudo, saímos mais fortes. Mais fortes também para inspirar e conscientizar pessoas. Lula perdeu uma boa oportunidade de usar o próprio exemplo para alertar os brasileiros sobre os riscos do cigarro.
Ainda está em tempo, presidente. O câncer não é só uma luta individual. É, acima de tudo, uma batalha coletiva na qual é preciso separar realidade de mito e empregar a mais eficaz das armas: a prevenção.
* Beatriz Alessi é jornalista e cidadã do mundo, como a maioria dos mineiros. Contadora de histórias, acha que a vida de toda mulher daria um grande filme - ou pelo menos uma modesta crônica.
Para alguém como eu, que convive com a doença há mais de uma década, é fácil entender o desabafo do presidente. Sim, o tratamento é difícil e debilita o paciente. Mas hoje, olhando em retrospecto, não diria que se trata “da mais delicada das doenças”, como afirmou Lula à Folha de S.Paulo.
Embora os prognósticos sejam muito mais positivos hoje em dia, o câncer ainda carrega o estigma da dor e do sofrimento. Mas está longe de ser, necessariamente, uma sentença de morte.
Na época do meu tratamento contra um linfoma não-hodgkin, li um livro escrito por uma paciente que dizia: “Às vezes você está no lado bom da estatística ruim; e, às vezes, no lado ruim da estatística boa”. É verdade. Como tudo na vida, o câncer é imprevisível. Mas uma atitude firme e corajosa diante da doença ajuda e muito!
Coragem, nesse caso, não é bem a palavra. Qualquer pessoa que recebe um diagnóstico de câncer tende a reagir com firmeza – menos por coragem do que por instinto de sobrevivência. Ninguém quer morrer. “Se eu souber que a morte está na China, eu vou para a Bolívia” – disse Lula.
A doença nos confronta com a morte. E o resultado é um espírito combativo que nem imaginávamos possuir. Mas o câncer é também mestre em várias outras frentes. Expõe nossa fragilidade física, escancara nossos medos e desdenha das nossas vaidades. No primeiro tratamento, em 1999-2000, fui internada com pneumonia e, no hospital, perdi o cabelo. Até hoje me lembro de me olhar no espelho e pensar: “Então essa sou eu, sem retoques”.
Nessa época, ouvi de uma enfermeira o conselho: “Não pense nos efeitos colaterais. Pense no objetivo de longo prazo.” Pensei e, quando dei por mim, o pior já havia passado.
Outra lição que aprendi é ser humilde em relação à doença. Às vezes é preciso retomar o tratamento e, nessa hora, não cabe desalento. Aconteceu comigo em 2006. Felizmente, os remédios haviam evoluído e os efeitos colaterais foram bem mais suportáveis.
Cada caso é um caso. Mas o fato é que a maioria dos pacientes sai do tratamento com outra visão de mundo. Lula disse que não quer mais ter “uma agenda alucinada”. Eu desacelerei e passei a fazer yoga.
Acima de tudo, saímos mais fortes. Mais fortes também para inspirar e conscientizar pessoas. Lula perdeu uma boa oportunidade de usar o próprio exemplo para alertar os brasileiros sobre os riscos do cigarro.
Ainda está em tempo, presidente. O câncer não é só uma luta individual. É, acima de tudo, uma batalha coletiva na qual é preciso separar realidade de mito e empregar a mais eficaz das armas: a prevenção.
* Beatriz Alessi é jornalista e cidadã do mundo, como a maioria dos mineiros. Contadora de histórias, acha que a vida de toda mulher daria um grande filme - ou pelo menos uma modesta crônica.
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